sexta-feira, 15 de março de 2013

Falta de professor agrava situação de crise no ensino público de Juiz de Fora

Ainda que o ano letivo tenha começado há um mês, para muitos estudantes, as aulas não viraram realidade. Pela carência de professores nas redes estadual e municipal, parte dos alunos ainda está sem atividades. Das 15 escolas procuradas pela Tribuna na última semana, em 13 havia esse problema (ver quadro). Encaminhar os filhos ao colégio deveria ser motivo de tranquilidade para as famílias, mas virou preocupação, já que os pais não sabem a quem recorrer para garantir o direito constitucional de acesso à educação. Enquanto a orientação de algumas instituições é para que estudantes fiquem em casa nos dias em que não há disponibilidade de docentes, em outras, alunos dizem ficar sozinhos nas salas. O temor dos familiares e dos educadores é que o tempo perdido agora não seja compensado da forma ideal.

Conforme levantamento realizado pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE) para a Tribuna, turmas de 20 escolas estaduais estão sem professores de educação física e ensino religioso. Isso significa que 2.700 e 2.375 estudantes, respectivamente, são privados dessas disciplinas com profissional capacitado. Segundo a coordenadora da subsede do Sind-UTE, Victória Mello, em uma mesma escola, há alunos que têm aulas e outros não. Ela também denuncia que professores regentes dos anos iniciais seriam obrigados a ministrá-las em algumas instituições, mesmo sem formação na área. Victória diz que o sindicato também recebeu denúncias de turmas com superlotação em cidades vizinhas de responsabilidade da Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora. Haveria casos de classes de ensino fundamental com mais de 35 estudantes (limite estipulado por lei) e de Educação de Jovens e Adultos (EJA) com até 50.

Na última semana, a comunidade escolar do Instituto Estadual de Educação (Escola Normal) realizou protestos contra a junção de turmas e para denunciar a ausência de docentes. Alunos e educadores temem que as classes fiquem superlotadas e que não haja substituição da quantidade de professores considerada ideal. "Tenho dois filhos no Instituto Estadual e, já no começo deste ano letivo, eles estão sem aula por vários dias, simplesmente porque está faltando professor. Alguns dias, eles foram à escola e ficaram sozinhos na sala", conta o pensionista Eliezer Fernandes, 39 anos.

Eliezer reclama que seu filho de 11 anos recebeu advertência porque teria feito bagunça enquanto não havia quem olhasse. "Criança faz bagunça mesmo, mas onde estão os responsáveis por eles no horário que deveriam estar estudando? Liguei para saber o que ocorreu, e quem me atendeu disse que lá estava como o Cerespinho (termo pejorativo usado em referência ao Centro Socioeducativo voltado a adolescentes que praticaram atos infracionais com menos de 18 anos). Como podem fazer uma comparação como essa?", questiona. Outro pai de aluno da mesma escola preferiu não se identificar, mas reclama da mesma situação. "Meu filho tem uma ou duas aulas por dia, pois, no restante dos horários, ou não tem professor ou o que tem não aparece. E já estamos no mês de março."

Para um educador da Escola Estadual Deputado Olavo Costa, no Monte Castelo, onde também houve escassez de docentes, a crise é decorrente da "falta de valorização do servidor e da política de enxugamento de verba. A educação padece, e a maioria das falhas é fruto da falta de investimentos". Conforme um docente de história da rede estadual, a situação é generalizada. "A informação que recebemos é que a SRE demorou para liberar as contratações. Várias turmas, de diversas instituições, acabaram sem aulas por muitos dias. O problema ocorre em toda a rede e não é da direção das escolas."

A Tribuna conversou com estudantes do sexto ao nono ano do ensino fundamental da Escola Estadual Delfim Moreira (Grupo Central), e todos confirmaram a falta de docentes. Segundo duas alunas do sexto ano, a turma estaria sem aulas de inglês e história. "Às vezes, mandam a gente para a quadra no horário, mas tem dias que ficamos na sala, sem professor, esperando a próxima aula", diz K., 13 anos. "Também estamos saindo mais cedo em alguns dias", complementa A., 13. No sétimo ano, a informação da aluna T., 14, é que "o professor de artes ainda não chegou". Uma aluna do oitavo ano diz que a grade de aulas não havia sido definida até a última semana. "Chegamos todos os dias sem saber o que vamos ter. Tenho que trazer um caderno para tudo, senão corre o risco de deixar em casa algum e ficar sem material, porque pode ser aula de qualquer coisa." Já um aluno do segundo ano do ensino médio questiona o fato de as instituições não estarem prontas no início do ano letivo. "No dia 4 (de fevereiro), começaram as aulas, mas não havia professores suficientes, e as provas de dependência, de 2012, estavam sendo feitas. Com isso, fomos ter disciplinas apenas no dia 18", denuncia R., 15.

O problema se estende à Estadual Presidente Costa e Silva (Polivalente de Benfica). Lá a situação chegou ao extremo com falta de professores para até cinco disciplinas de uma sala. L., 11, estuda no sexto ano e diz que não há aulas de geometria e formação humana. Já P., 15, mostra as páginas em branco dos cadernos de português, geografia, geometria, ensino religioso e artes. O quadro se estenderia a outras séries, como o sétimo e o oitavo anos. Contudo, a escola diz que os docentes já teriam sido designados na última semana.

Escola da PJF está sem sete docentes

Um cartaz afixado no portão da Escola Municipal Prefeito Dilermando Cruz Filho, no Bairro Vila Ideal, anuncia que a questão não fica restrita à rede estadual. Os pais são orientados a não encaminharem à instituição de ensino os alunos das turmas que não têm disponibilidade de professor. Segundo o diretor Marcus Vitoi, cinco classes da tarde e uma da manhã são afetadas, sendo que uma das salas é do quinto ano do ensino fundamental e está sem atividades durante quatro dias na semana. Faltam docentes de matemática, português, ciências e educação física, além de professor regente de ensino fundamental.

"Essa contratação está ocorrendo de maneira tardia. As aulas começaram no dia 4 de fevereiro, e, desde então, estou sem sete professores. Cinco não foram contratados, e dois estão afastados por atestado, mas ainda não foram substituídos. Uma das turmas do quinto ano está sem aula nenhuma. Esses alunos só vêm à escola uma vez por semana, porque não tenho professor para os outros dias. Alguns pais já estão pedindo a transferência dos filhos, muitos nos cobram uma solução, mas ela não depende só da escola. Precisamos de uma resposta da Secretaria de Educação. A informação que recebi foi que o sistema de contratação mudou e que nossas vagas sequer haviam sido oferecidas."

A atendente Elaine Rufino, 37 anos, tem um sobrinho de 9 matriculado na Dilermando Cruz e reclama da demora para a mudança deste cenário. "Ele tem ficado em casa praticamente todos os dias e não sabemos mais o que fazer. Muitos familiares estão desesperados, porque não têm com quem deixar as crianças, mas minha maior preocupação é com a perda de conteúdo, pois não sabemos como isso será recuperado." Vitoi explica que também teme a forma de reposição. "Temos um problema de logística, porque não há condições de repor essas aulas durante a semana, já que não tenho salas disponíveis."

No Linhares, a Escola Municipal Áurea Bicalho tem carência de docente de português, matemática e ciências para o sexto ano. Desde a volta às aulas, um professor de história está afastado, e as turmas estão descobertas. Há uma semana, um professor de artes entrou de licença e também não foi substituído. Uma professora eventual e uma bibliotecária têm ajudado cobrindo algumas aulas, mas, quando isso não é possível, os alunos ficam sem conteúdo. Uma turma infantil do segundo período também está sem educador.

A Escola Municipal Professor Augusto Gotardelo, no Caiçaras, chegou a ter as aulas suspensas por um dia. Segundo a diretora Janaína Vital Rezende, o motivo foi a defasagem dos dois coordenadores, professor regente do terceiro ano fundamental e de complementação de carga horária de história e geografia para os anos iniciais do ensino fundamental. Na semana passada, um coordenador teria sido contratado, mas a situação ainda é difícil na visão da diretora. "Muitas vezes, eu e a secretária vamos para a sala de aula para os alunos não ficarem sozinhos. Também juntamos temporariamente duas turmas para evitar mais prejuízos."

Estado aposta nas nomeações

Editais de designação ainda em aberto comprovam a demanda por docentes na rede estadual, conforme consulta realizada na última sexta-feira no site da Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora. Apenas para o português, há vagas em 18 escolas. Existe ainda chamada para professor de matemática para 13 instituições da cidade, e também para educação física, artes, química, física, biologia, entre outras disciplinas. Apesar disso, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) garante ser natural devido à rotatividade na rede em casos de aposentadorias, licenças, entre outras situações imprevisíveis.

Mas, para a coordenadora da subsede do Sind-UTE, Victória Mello, a falta de professores e a tendência de encher as salas até o limite permitido é um problema recorrente no início do ano letivo da rede estadual. "Tentam fazer a população acreditar que isso é algo normal, quando não é", complementa a coordenadora de comunicação do sindicato, Yara Aquino. Segundo Victória, a situação se deveria, principalmente, ao excesso de burocracia para realizar as contratações temporárias e à demora nas nomeações de efetivos. "Isso ocorre anualmente, mas em escala menor. Desta vez, teve um agravante na rede estadual, já que o sistema da SEE ficou fora do ar, delongando ainda mais a publicação dos editais de contratação." Contudo, para Victória, a raiz do problema não é essa, mas sim o fato de Minas investir nas contratações temporárias mesmo havendo concurso recém-homologado. "Há expectativa de nomear os concursados, mas isso é um processo demorado."

Segundo a assessoria de comunicação da SEE, a designação é um processo flutuante e, por isso, não é possível prever qual é o déficit total nas escolas de Juiz de Fora. A pasta informa que realmente o sistema ficou fora do ar por alguns dias, mas a situação foi resolvida rapidamente. Em relação aos problemas apontados nas instituições citadas na reportagem, a secretaria diz que foram sanados na última sexta-feira. No entanto, um professor do Instituto Estadual de Educação informou que, até o fim da tarde de sexta-feira, havia turmas sem aulas.

A aposta da SEE para solucionar o problema consiste nas nomeações dos aprovados no concurso realizado em 2012, que começaram a ser feitas na última terça-feira. A expectativa é de que 11.700 docentes sejam nomeados até julho em todo o estado. Hoje Juiz de fora conta com 3.421 professores, sendo que mais 16 já foram nomeados. Até julho, 150 vagas ofertadas pelo concurso devem ser ocupadas na cidade. Desde 2007, Minas não realizava concurso público para professor.

Educadores desistem das vagas

A situação da escassez de professores na rede municipal denunciada por pais e alunos é confirmada pelo Sindicato dos Professores (Sinpro). "Estamos sendo procurados pelas escolas, sob a alegação de que, em alguns dias, estão sem condições de manter um dos turnos funcionando por causa dessa situação. Sabemos que a Secretaria de Educação fez contratações em dezembro e também em janeiro, mas, em todo início de ano letivo, são necessárias novas contratações, e, nesse caso, estão sendo morosas, porque a demanda está longe de ser suprida um mês depois de as aulas terem começado", afirma a coordenadora do Sinpro, Aparecida de Oliveira Pinto.

Aparecida diz não se recordar de outra ocasião em que o ano tenha começado com tanta falta de professor. "Na Escola Municipal Bela Aurora, onde trabalho, estamos sem três professores nas quatro turmas em que dou aula. Essa incerteza é muito ruim, dificulta a programação dos educadores, compromete o ensino e deixa os alunos perdidos."

Segundo a Secretaria de Educação, a contratação temporária de professores aconteceu normalmente e de forma planejada desde dezembro. Desde então, foram realizados 1.626 contratos, o que seria suficiente para suprir a demanda, mas, após os trâmites, houve 129 desistências. O secretário de Educação, Weverton Vilas Boas de Castro, garante que, até esta segunda-feira, mais 65 profissionais serão chamados e, até o fim da semana, os quadros estarão completos. Ele ainda pondera que, nesses casos, não é possível realizar concurso público, porque as vagas são de docentes afastados. A estimativa da pasta é que a cidade conte hoje com 4.400 professores nas cerca de cem escolas municipais. A secretaria informa que todas as aulas perdidas serão repostas, seguindo o calendário de cada colégio.

Fonte: CNTE via Tribuna de Minas

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